Mas antes de chegar ao merecido descanso, é preciso passar pelo purgatório da agitação. Mais pessoas, nas mesas que já se multiplicaram e invadem todos os espaços possíveis. Mais carros que surgem de todos os cantos e entopem a rua já cheia de gente. Os sons se amplificam e se fundem. O copo que quebra, a gargalhada que estoura, o palavrão que explode, o falar que grita, a buzina que rasga, todos se juntam para formar a sinfonia da sexta-feira. A sinfonia do turbilhão e do caos premeditado.
Viro a esquina e tudo me acerta de uma só vez, como um poderoso golpe inesperado.
Casa com essa menina, porque coisa melhor não vai conseguir. Olá, olá, tudo bem com você, gatinha? Ei! Cuidado comigo. Os skatistas pulam para cá e para lá em suas manobras, perdendo dos seus pés os skates que, correndo sozinhos, vão para longe até atingir alguém que passa por sobre a passagem de ranhuras que é o braile para os pés dos cegos. A moça de calças cinza apertada gargalha para o guarda que se mantém esticado dentro do seu uniforme cinza e cada vez que a moça gargalha a calça aperta um pouquinho mais e todo o seu volume transborda na barriga, mas o guarda mantém a vista para cima, só de vez em quando olha para o volume saindo da calça para não perder o hábito. Uma espécie de luz neon verde ilumina os cabelos loiros que ficam verdes da menina que ri e seus dentes estão verdes e ela nem desconfia disso pela forma que sorri para todos os que passam por ela na rua. Dois maços e uma revista são nove reais. Só mais cinqüenta centavos para eu interar dois reais e minha cachaça. Eu quero dar! HAHAHAHA. Daí eu falei pra ele: quem é que veio até aqui por sua causa e depois de chegar aqui é dispensada, não você não entendeu que o cara quer só dois e duzentá então o que eu vou fazer hoje se você não tá a fim de sair? Vou ficar em casa queném um idiotalvez ele quer mais do que aquilo que você está dando. Eu não sei, porque eu já tentei coisas diferentes, mas nada deu certo. Mas isso não é nem um pouco justo. Tenta acender o cigarro, o isqueiro só produz faísca e quando faz fogo, este logo se apaga. A luz do farol se acende. O carro quase não consegue passar, embora o sinal esteja verde pra ele, as pessoas passam como se dissessem: olha aqui! eu já esperei demais a semana inteira, agora é a sua vez, você confortavelmente sentado no seu banco macio pisando em pedais pra cima e para baixo, enquanto eu tenho que gastar minhas solas e tropeçar em tudo quanto é buraco dessa cidade, agora é minha vez, exatamente aqui, exatamente nesse momento, você pode passar por cima de mim e me transformar em lixo de asfalto, mas eu não vou esperar mais, não agora, então é eu contra você, o que você me diz? E o carro espera e a senhora que o guia apenas saiu de casa para fazer a compra no supermercado e apenas por isso ela saiu de carro. Uma reunião de crianças que se acham adultos apenas por beberem e fumarem, um pouco sem jeito, por se agarrarem na rua sem pudor e por vestirem pesadas roupas pretas com cheiro armário. Apesar das caras de mau, suas falas não passam de banalidades. Banalidades e bebidas. É tudo o que as pessoas precisam para sobreviverem em bando. Gritam e provocam quem passa pela rua, mas alguns só olham um olhar perdido para Deus sabe onde e suas caras neutras denunciam que prefeririam estar em outro lugar agora, mas o que se vai fazer, é sexta-feira e essas são as pessoas com quem eu convivo e o que resta é agüentar e torcer para que algo de bom aconteça hoje, algo novo e excitante. E todas as pessoas pensam isso na sexta à noite, mas isso não acontece para a maioria que apenas segue a vida esperando a sexta-feira dos sonhos que nunca chegará porque elas esperam coisas demais e tem coisas que nunca acontecerão. Mas enquanto tudo isso é novo para aqueles que sentam e bebem na calçada, eles vão rindo e falando alto para que toda a cidade escute seus uivos, pois a vida para eles está apenas começando e eles estão sedentos por ter aquilo que todos os outros já não querem mais. Mas eles não sabem disso, ainda. As três amigas apoiadas no balcão dentro do bar olham para todos os lados, disparam seus olhares e decotes para todo transeunte e bêbado e louco, provocando os seus nervos e despertando todo o seu desejo até o momento em que elas irão embora deixando muitos queixos caídos para trás. Deixando todos babando e rindo por isso. Rindo muito por isso. Elas conchavam entre cochichos ao pé do ouvido e risadinhas. Combinam exatamente a hora em que sairão do bar com destino a alguma outra festa que já começou em algum canto da cidade. A hora em que os lobos se distraem um instante para coçar as suas partes quando a lua está brilhando para elas. Uma fuga rápida bem nesse instante e os lobos nunca saberão o que aconteceu. Ô boneca! Vem aqui um pouquinho, deixa eu te falar uma coisa. HÉHÉHÉHÉ. Ô princesa! Senta aqui, eu não vou te morder, eu prometo. A menos que você queira. HAHAHAHAHA. Garçom! Traz mais uma garrafa pras garotas e coloca na minha conta. RIRIRIRIRI. Ai, eu preciso dar uma chegadinha no banheiro, mas eu já volto já. HU-HU-HU-HU. A caminhada cambaleante. Faz força para andar em linha reta. A vontade sempre aperta quando abrimos a porta do banheiro e explode quando abrimos a calça. O jato transparente apenas em breves momentos acerta o buraco da privada, apesar de ser tão grande. O jato forte sempre pega de surpresa aqueles que têm a calça semi-arriada. Até poder controlar essa força, metade da vontade já se foi e agora está espalhada na poça das outras vontades aliviadas que molha os sapatos e um pedaço da barra da calça. AHHHHHHH. De repente o mundo parece um lugar tão bom e cheio de possibilidades. Mas que porra, onde é que foram aquelas três safadinhas? Então, eu acho que no fundo é isso mesmo, sabe. Eu falei pra ele que, assim, não dá pra fazer tudo o que ele quer, sabe, porque eu também preciso fazer as minhas coisas, entende, e isso é muito importante pra mim, né, e parece que ele nem, sabe, se toca. Para. Risca o isqueiro pela 27ª vez que insiste em faiscar apenas. E ela se posiciona contra o vento, a favor do vento, em todas as posições, mas parece que o vento vem de todas as direções. O cigarro já grudou na boca. Ela continua falando e ele não cai. Ai, meu, sei lá vocês dois. Rola uma coisa meio esquisita dele que eu não sei te falar exatamente o que é... A perua avança o sinal vermelho e, na faixa de pedestre, para e grita para fora da janela. Olha a calçada! O da calçada xinga inevitavelmente a Kombi que avançou o farol. Mas segue caminho sem muito esquentar a cabeça. Apressada, a bixinha anda depressa, rebolando o seu quase nenhum quadril e sorrindo para todo mundo que passa e lhe olha. Inda tem que agüenta os viado olhando pra mim direto. Resmunga o pedreiro gesticulando com suas mãos sujas e ajeitando sua camiseta rasgada. E tsssc tsssc tsssc nada do isqueiro funcionar. Você tem um isqueiro pra me emprestar? Não. Brigada. Pergunta praquele cara parado ali ó. Oi, você tem um isqueiro pra me emprestar? Claro que eu tenho. Ainda hoje as pessoas sorriem e se inflam de expectativas com o lance do isqueiro. O rapaz de gravata afrouxada e camisa pra fora da calça larga sorri e encara a garota que só olha para a ponta do cigarro e o isqueiro do rapaz que fez questão de acender o fogo para ela. O fogo queima a ponta, ela diz “brigada” e sai andando no mesmo passo apressado e curto de antes, sem olhar para o rapaz que há