sábado, 16 de janeiro de 2010

Angústia VI

Andava sem rumo, como sempre fazia, como sabia fazer. Tropeçando na rua de paralelepípedos cinzas soltos. Pensando pela infinitésima vez no absurdo das relações. Quais mulheres realmente tinham mexido com os seus eixos. Com quais ele estava apenas em busca de algo que lhe afastasse da solidão. A profunda e constante solidão. Sua mais fiel companheira, a única, a verdadeira. Lembrou da última paixão que parou de aparecer, sem dar maiores explicações. Apenas desapareceu em uma ligação não atendida. Como elas podem ser cruéis. Quanto mais se dá, mais se quer e então, quando você oferece tudo o que tem, a sua sinceridade e seu coração, escuta o som da guilhotina e elas não têm o menor pudor em te degolar.

A honestidade não parece ser a melhor moeda de troca dessa relação. Quanto mais se tem, mais pobre se é nesse estranho jogo.

Depois que ele se rasgava todo, dilacerava toda a sua verdade e a espalhava na frente delas, elas apenas olhavam para aquilo como se fosse um monte de um incompreensível entulho e ignoravam o que viam. Olhavam de cima a baixo, torciam o nariz e saiam balançando o rabo. “Muito Obrigado, um pouco de consideração seria bem vinda. Um pouco de compreensão e cuidado.”

Ana foi embora levando uma boa parte do seu coração e sua coleção de filmes do David Lynch. Foi para a vida segura de um lar confortável. Só consegue assumir riscos aos finais de semana e nas férias. Riscos controlados, igualmente confortáveis. Dani desapareceu deixando na memória uma promessa não cumprida e o som de um gemido característico. Saiu para o mundo, ela e sua inquietação, ela e tudo o que compartilharam, ela e muito da identidade dele, a sua paixão mais rasgada. Laura o ignorou. Ignora-o em todas as poucas vezes que se vêem. Ela e suas amigas com olhar de peixe morto e narizes que se entortam com uma facilidade de impressionar qualquer contorcionista. Todas vorazes consumidoras da arte-filosofia da moda e seu estilos de vida plastificado, de pronta entrega, embalados em um “conceito” (sic!!!). E Luiza, a primeira, a intocável. Desencontros e enganos. E a vergonha, fruto da ignorância adolescente.

Enquanto andava, pensava nas suas possibilidades. Seria possível ainda achar alguém? Está muito cansado de andar por aí sozinho. Será que isso ainda vai mudar? Depois de tudo o que passou, acha que isso é cada vez mais difícil. As solas do sapato já estão muito gastas. Já estão com buracos que fazem com que se possa ver as meias. Ele tem buracos nos sapatos. Em cima e em baixo. Muitas andanças sem rumo. Muitos pensamentos divagados. Ao som das buzinas e com o aroma da fuligem. Muitas ruas tortas e sem saída. “A morte é sempre uma saída, mas deve dar muito trabalho morrer sem sofrimento ou dor. Não, talvez isso ainda não.” Mas a vida também lhe parece muito difícil. Difícil de ser explicada e entendida. Conseguir chegar a algum lugar.

Agora mesmo, tudo o que queria era um pouco de compreensão e carinho, para não ter que enfrentar o longo e tortuoso caminho de volta sozinho e com a traquéia apertada. Mas isso não podem dar. Querem tudo dele, mas um gesto sincero e espontâneo que o fizesse acreditar que tudo ainda pode dar certo... bem, isso nunca conseguiu; nem dessa vez, provavelmente nunca. O olhar diz tudo. A fuga do olhar diz ainda mais. Há aquelas que escapam olhando no olho, bem pertinho, nariz quase encostando. Mas aquelas que, paradas na sua frente já não estão mais ali, essas são as piores. Faz uma pessoa pensar que a sua existência é ainda mais inútil e que a impossibilidade de um lugar é a única possibilidade.

“É... pra mim já deu. Melhor acabar logo com tudo isso, com todo o desconforto e angústia. Melhor mesmo. De que vale tentar? Querer chegar ‘lá’? ‘Lá’ não dá pra chegar nem em um milhão de anos. É isso, fodam-se todas, foda-se tudo, que eu cansei de me fuder.”

Mas quando seus olhos delirantes encontram outros olhos que pousam no fundo dos seus; olhos que sorriem discretamente de canto de boca, então ele pensa: Parece que sempre que eu tento sair, elas me puxam de volta.