sexta-feira, 24 de dezembro de 2010

Pôr-do-sol do Natal

Na Avenida repleta pelas multidões de famílias, onde tudo acontece e tudo passa desapercebido, O coral do banco canta. A faixa de ônibus é bloqueada pelos homens que cuidam do trânsito para que possa acomodar melhor os assistidores do espetáculo. Luzes e Árvores e Neve e Cores (tons vermelho e verde / sócio-ambiental). Os olhos das crianças se movimentam rapidamente sem respirar para não perder o bombardeamento de imagens. A música aumenta ao som do playback mono repetindo em muitas vozes: “i need somebody to love”; “i need somebody to ...”; “i need somebody”; “i need!”. Velhos e jovens sorriem tirando fotos, eternizam o momento feliz. Do alto da lixeira de concreto, a criança espicha e tenta entender o que a criança nos ombros do pai ignora.

Noite Feliz = Muitas Sacolas

Ó Senhor = Compra e Venda

Nas mesas que ocupam a calçada, os colegas trocam afetos embrulhados em papel brilhante e conseguem se enxergar melhor atrás das lentes das máquinas fotográficas.

Alegria

Contato Humano

No palco armado, papai-noel chega de bugue e distribui saquinhos coloridos. O mundo não precisa do Teatro. Essa é a orgiafagia real. Desculpe, Zé Celso. Bonecos vestidos de personagens natalinos substituem a necessidade de trabalhadores-atores. Não precisam parar, não precisam ir ao banheiro, não entram em crise e o melhor: todo mundo adora.

Mais à frente, um protesto contra o aumento do salário dos parlamentares. Uns 30 adolescentes exibem cartazes, sopram apitos e pedem para que os motoristas buzinem. Eles buzinam com a mesma felicidade natalina. Tudo faz parte do mesmo show. No megafone, uma mulher com o rosto pintado grita sua raiva para fora convocando os passantes a participar do protesto. Seus gritos não são muito convidativos. Penso que, no fundo, servem mesmo para expurgar sua frustração por não poder fazer nada. O protesto hoje é uma forma de terapia coletiva. Todos se reúnem, xingam, gritam, aplaudem, cantam, dançam e depois voltam para as suas residências mais leves. Auto-apaziguamento. Todos escolhem o mesmo lugar para protestar, sejam 30 ou 3.000. Esquecem que nesse lugar a profusão de eventos, barulhos e pessoas engole qualquer tipo de manifestação. A Avenida já incorporou a manifestação. Muitos barulhos competem entre si e as pessoas só podem andar olhando para baixo para que não tropecem e percam o rumo no fluxo contínuo da massa.

Barulho atrai barulho.

Muito barulho deixa as pessoas surdas.

Muitas imagens deixam as pessoas cegas.

Muita informação causa tontura, náusea, vômito, dor de cabeça, insônia, dores estomacais, alucinações, perda de apetite.

O senhor de roupas sujas e mal-cheirosas que vendia algodão-doce é arrastado por um quarteirão pelo policial. Ele o encosta debaixo da estrutura de ferro que sustenta o palco que fica suspenso na Avenida patrocinado pelo banco e pelo Estado. Ao pé da estrutura, o policial chama e, prontamente, mais 4 homens de uniforme cinza da polícia chegam para dar apoio. Ambulante ilegal. Ignorando o advogado de óculos que parou cheio do espírito natalino, os policiais confiscam o bastão com algodões-doce coloridos. Nada mais resta para o senhor que pensou que a Avenida repleta de pais com suas crianças poderia ser um bom negócio.

Natal Assaltado

Fica a lição, meu caro senhor maltrapilho: é preciso estar na lei para poder vender qualquer coisa, para poder bloquear a faixa do ônibus e parar o trânsito, para aumentar o próprio salário e assim poder gozar do melhor que o natal oferece.

sábado, 16 de janeiro de 2010

Angústia VI

Andava sem rumo, como sempre fazia, como sabia fazer. Tropeçando na rua de paralelepípedos cinzas soltos. Pensando pela infinitésima vez no absurdo das relações. Quais mulheres realmente tinham mexido com os seus eixos. Com quais ele estava apenas em busca de algo que lhe afastasse da solidão. A profunda e constante solidão. Sua mais fiel companheira, a única, a verdadeira. Lembrou da última paixão que parou de aparecer, sem dar maiores explicações. Apenas desapareceu em uma ligação não atendida. Como elas podem ser cruéis. Quanto mais se dá, mais se quer e então, quando você oferece tudo o que tem, a sua sinceridade e seu coração, escuta o som da guilhotina e elas não têm o menor pudor em te degolar.

A honestidade não parece ser a melhor moeda de troca dessa relação. Quanto mais se tem, mais pobre se é nesse estranho jogo.

Depois que ele se rasgava todo, dilacerava toda a sua verdade e a espalhava na frente delas, elas apenas olhavam para aquilo como se fosse um monte de um incompreensível entulho e ignoravam o que viam. Olhavam de cima a baixo, torciam o nariz e saiam balançando o rabo. “Muito Obrigado, um pouco de consideração seria bem vinda. Um pouco de compreensão e cuidado.”

Ana foi embora levando uma boa parte do seu coração e sua coleção de filmes do David Lynch. Foi para a vida segura de um lar confortável. Só consegue assumir riscos aos finais de semana e nas férias. Riscos controlados, igualmente confortáveis. Dani desapareceu deixando na memória uma promessa não cumprida e o som de um gemido característico. Saiu para o mundo, ela e sua inquietação, ela e tudo o que compartilharam, ela e muito da identidade dele, a sua paixão mais rasgada. Laura o ignorou. Ignora-o em todas as poucas vezes que se vêem. Ela e suas amigas com olhar de peixe morto e narizes que se entortam com uma facilidade de impressionar qualquer contorcionista. Todas vorazes consumidoras da arte-filosofia da moda e seu estilos de vida plastificado, de pronta entrega, embalados em um “conceito” (sic!!!). E Luiza, a primeira, a intocável. Desencontros e enganos. E a vergonha, fruto da ignorância adolescente.

Enquanto andava, pensava nas suas possibilidades. Seria possível ainda achar alguém? Está muito cansado de andar por aí sozinho. Será que isso ainda vai mudar? Depois de tudo o que passou, acha que isso é cada vez mais difícil. As solas do sapato já estão muito gastas. Já estão com buracos que fazem com que se possa ver as meias. Ele tem buracos nos sapatos. Em cima e em baixo. Muitas andanças sem rumo. Muitos pensamentos divagados. Ao som das buzinas e com o aroma da fuligem. Muitas ruas tortas e sem saída. “A morte é sempre uma saída, mas deve dar muito trabalho morrer sem sofrimento ou dor. Não, talvez isso ainda não.” Mas a vida também lhe parece muito difícil. Difícil de ser explicada e entendida. Conseguir chegar a algum lugar.

Agora mesmo, tudo o que queria era um pouco de compreensão e carinho, para não ter que enfrentar o longo e tortuoso caminho de volta sozinho e com a traquéia apertada. Mas isso não podem dar. Querem tudo dele, mas um gesto sincero e espontâneo que o fizesse acreditar que tudo ainda pode dar certo... bem, isso nunca conseguiu; nem dessa vez, provavelmente nunca. O olhar diz tudo. A fuga do olhar diz ainda mais. Há aquelas que escapam olhando no olho, bem pertinho, nariz quase encostando. Mas aquelas que, paradas na sua frente já não estão mais ali, essas são as piores. Faz uma pessoa pensar que a sua existência é ainda mais inútil e que a impossibilidade de um lugar é a única possibilidade.

“É... pra mim já deu. Melhor acabar logo com tudo isso, com todo o desconforto e angústia. Melhor mesmo. De que vale tentar? Querer chegar ‘lá’? ‘Lá’ não dá pra chegar nem em um milhão de anos. É isso, fodam-se todas, foda-se tudo, que eu cansei de me fuder.”

Mas quando seus olhos delirantes encontram outros olhos que pousam no fundo dos seus; olhos que sorriem discretamente de canto de boca, então ele pensa: Parece que sempre que eu tento sair, elas me puxam de volta.