sexta-feira, 3 de julho de 2009

I`m Only Sleeping

- Olha só para essas pessoas. Um bando de gente fazendo nada. Absolutamente nada.
- O que você queria que elas fizessem?
- Alguma coisa.
- Talvez elas já estejam fazendo, isso é bem relativo.
- Não estão. Se estivessem não estariam aqui.
- Você está aqui.
- Eu já fiz coisa demais.
- Hoje?
- Sempre.
- Você está muito amargo.
- Talvez, mas isso não tem nada a ver com o fato de que o mundo está de fato uma bosta. Nada de bom está acontecendo. Não digo isso porque sou uma pessoa negativa ou nostálgica, é apenas uma constatação real, profunda e baseada nos fatos mais instantâneos e irrefutáveis. Você não parece estar muito abalado com isso.
- Eu estou bem tranqüilo com isso tudo. Let it be. Let it be.
- Nem as mulheres estão mais bonitas como já foram. Não se fabrica mais mulheres com aqueles grandes peitos que apontam para o infinito anunciando a doce aurora do prazer. Olhe em volta. Não há nada de bonito para se ver, nem sendo muito generoso ou fazendo muito esforço.
(Nisso ele pega os óculos para poder enxergar melhor e tentar não ser muito injusto com o seu parecer)
- E aquela ali, olha que rosto mais bonito.
- Só o rosto mesmo, porque não tem mais nada para apresentar.
- Dá um tempo, ela é só uma pessoa, não a cura pro câncer. Ela também tá se esforçando como todos nós.
- Pode ser.
- E comparada às amigas, ela até que tá muito bem.
- HAHAHAHAHA.
- Olá, olá.
- Mas essas pessoas nem fazem nada, só ficam reclamando da sorte.
- Mas a sorte é importante.
- Não é não, não é nem 20%.
- 80%!
- 50%
- 50%
- O que importa é o resto.
- O que é o resto?
- Não contar com a sorte.
- Mas daí, você vai contar com o que?
- Com o seu emprego.
- Não dá pra ficar a vida inteira esperando trabalhando até ter uma oportunidade.
- Ninguém quer trabalhar, mas é importante. Todo mundo precisa de dinheiro.
- Prefiro trabalhar em alguma coisa minha. Em algo que acredito.
- Mas tem que fazer alguma coisa, não dá pra ficar por aí, sem trabalho, sem família, sentado na calçada olhando todo mundo passar na sua frente.
- Na Alemanha eles vão até o governo e ganham 400 paus. Eles podem escolher isso, não fazer nada. Daí, com esse dinheiro dá pra comprar comida e birita pra se manter.
- Mas não dá pra viver só com isso.
- O mínimo pra se manter é diferente pra cada um.
- Olha só, um ingresso pra ver um show é uns 120 contos.
- Quantos graus você tem nos óculos?
- ½ em cada olho.
- Mas isso não é nada.
- Mas eu quase não consigo enxergar você.
(Franze a testa e espreme os olhos para demonstrar a dificuldade em enxergar)
- Puxa, não acontece nada de bom como antes costumava acontecer. Olha só a gente: estamos falando há 2 horas sobre coisas que aconteceram meio século atrás.
- E os macacos do ártico?
- Tudo isso aconteceu em 1973. Nesse ano aconteceu de tudo. Os Beatles acabaram, caiu o muro de Berlim e os comunistas fizeram a sua revolução.
- Acho que não foi tudo no mesmo ano.
- Pode ser, mas muita coisa aconteceu por volta desse ano. E olha hoje, todo mundo tentando copiar o que aconteceu nessa época. A música, o corte de cabelo, as roupas.
- Não, hoje eles tão copiando os anos 50.
- Pior. Antes as pessoas queriam ser diferentes, agora todas querem ser iguais. Olha só essa daí.
(Aponta para uma garota com corte de cabelo retrô de pin-up girl)
- Igual a ela eu já vi várias.
- Mas elas não têm a pegada das originais, fica só uma cópia mal feita.
- Os Beatles copiaram o topete de James Dean no começo.
- Todo mundo tem que começar copiando alguém, é assim que funciona.
- Precisa fazer uma coisa igual no começo pra juntar uma grana e depois poder fazer alguma coisa realmente própria depois.
- Até lá, fica todo mundo copiando todo mundo.
- Mas daí eles se cansam e olham para trás.
- Só copiam o velho, tornando-o novo de novo, até todo mundo ficar igual novamente.
- Daí eles criam algo próprio.
- Ou copiam outra década. Por que eu não consigo enxergar nada de bom no que eu vejo hoje?
- Tem os libertinos.
- Mas já faz um tempo, foi nos anos 90.
- Acho que não faz tanto tempo assim.
- E pensar que os fadinhas ficaram conhecidos com aquela música do homem estava pra chegar.
- Eles tinham coisas muito melhor.
- Muuuuuuuuito melhor. Eu queria jogar taco. Andar descalço no asfalto e dar umas tacadas por aí.
- Você andando descalço?! Tá bom.
- Sim! Como eu sempre fiz.
- Tá bom...
- Saudade de quando eles gravavam tudo em um só canal. Hoje o cara grava em 60 uma guitarra e bateria. Pra não fazer nada de bom, só ficar tum-tum-tum-tum.
- É um outro conceito.
- Esses óculos estão muito sujos, não dá pra ver nada com eles.
(Tira os óculos e esfrega na camisa suja)
- Mas você só tem ½ grau, não precisa deles.
- Mas daí eu tenho que fazer assim, só pra te enxergar.
(Franze a testa e espreme os olhos uma vez mais)
- Tem coisa boa hoje também, só não tem acontecendo nesse exato instante, mas até ano passado tinha.
- Não vejo nada de bom nem hoje, nem um ano atrás, nem 10 anos atrás.
- É por que essa merda de eletropop tá desviando a atenção. Até os macacos do ártico ficaram meio eletropop. Mas vão surgir outros.
- Nem as que estão passando na rua são bonitas. Não vi nenhuma mulher bonita hoje. Só essa da revista.
- É que ela é paga pra ser bonita.
- Bom, foi um dinheiro bem gasto então. Vou levar pra dar uma volta.
(Põe os óculos e levanta)
- Você vai colocar os óculos só pra enxergar o caminho até o banheiro?
- Mas não dá pra ver nada, eles estão sujos.
(Quando volta, está sem a revista, sem os óculos e com um olho já fechado)